"Causos" de Raids
por Alvaro
Melo
Depois de um fim de ano meio tumultuado, eis-me de volta
a rebuscar os resquícios da memória antes que
ela possa me faltar. Afinal, histórias e estórias
podem ficar sepultadas em definitivo se não tivermos
o cuidado de revelá-las e/ou escrevê-las.
Então vamos lá, vamos falar dos Raids. Hoje em
dia estão cada vez mais profissionalizados, os participantes
cada vez mais (e melhor) equipados e os organizadores mais técnicos
e ousados. Resultado? Mais reportagens, menos "causos".
A época romântica dos Raids, onde os navegadores
usavam calculadoras de camelô e as equipes vencedoras
faturavam de dois a três mil pontos perdidos, inversamente
é pródiga em causos e na medida em que a memória
ajudar tentarei descrever alguns.
Os primeiros Raids do Rio de Janeiro ocorreram a partir de 1989
e o entusiasmo pela brincadeira foi tanto que participei da
organização do primeiro e liderei a organização
dos segundo e terceiro, onde fui "diretor de prova".
O 2º e o 3º Jeep Raids do RJ ocorreram em Paty do
Alferes, localidade que consumiu uma boa parte dos meus fins
de semana de adulto casado e pai de família. Justamente
pelo conhecimento da região pródiga em trilhas,
percorrida por mim e meus filhos de moto (nossa primeira paixão
off-road) é que me dispus a encarar a tarefa e a responsabilidade,
sempre com o respaldo e intensa colaboração dos
companheiros do Jeep Clube - RJ. O conhecimento do prefeito
do município recém emancipado e de uma parte expressiva
de comerciantes, vereadores, agricultores e outros habitantes
locais também foi de grande importância para o
sucesso dos nossos objetivos.
Como toda a atividade desenvolvida amadoristicamente, enfrentávamos
as mais diversas dificuldades que iam da falta de patrocínio
à dificuldade em explicar a algumas pessoas o que seria
aquilo e como ocorreria. Como todos sabemos, um dos grandes
problemas da sociedade contemporânea é a comunicação,
onde nem sempre conseguimos expressar clara e concretamente
o que pensamos assim como nossos interlocutores recebem nossas
mensagens em consonância com o que pensam ou imaginam,
o que invariavelmente não condiz com o que quisemos afirmar...
Um dos locais prediletos para fazermos nossas "maldades"
ou pegadinhas, como queiram, é a celebrizada subida do
oleoduto. A região serrana, pródiga em morros,
é cortado por dois oleodutos que vão do Rio de
Janeiro para Minas Gerais (ORBEL I e ORBEL II) e nos trechos
piores foram construídas estradinhas para que os fiscais
e as equipes de manutenção pudessem ter acesso
às tubulações enterradas e demarcadas.
Os fiscais residentes e responsáveis por trechos extensos
de tubulações utilizavam sempre jipes tracionados,
justamente para poderem se locomover em suas áreas de
atuação independente de condições
de tempo, dada a necessidade de velocidade na solução
de problemas envolvendo o petróleo e seus derivados,
bastante conhecidos pelo mundo afora.
Justamente num desses trechos há essa subida (ou descida,
dependendo do ponto de vista...). Um dos seus atrativos era
justamente a entrada que, por pouco utilizada ficava meio escondida
o que provocava muitas discussões entre pilotos desconfiados
e navegadores atentos, os primeiros afirmando que devia haver
erro e os segundos afirmando sua certeza naquela entradinha,
meio barranco, meio trilha... Para os que acertavam, um caminho
sombreado sempre coberto por uma vegetação rasteira
e escorregadia que terminava num declive suave e uma virada
em 90 graus à direita com uma subida que mais parecia
uma parede.
Nessa subida a vegetação rasteira era substituída
por um barro duro e quebradiço que quando molhado ficava
muito escorregadio e meio "vitrificado", tipo espelho
ensaboado... Para completar, nenhum ponto de ancoragem na subida
que descrevia uma curva para esquerda e que era ladeada à
direita por uma ribanceira pouco ameaçadora já
que o leito da pista tinha uma proposital inclinação
para dentro (esquerda) e o outro lado um barranco separado da
pista por uma alentada vala destinada à descida das água
da chuva.
Nesse Raid em questão, esse trecho ia ser feito subindo
e nos preparativos tivemos o cuidado de conseguir que um agricultor
da região e nosso colaborador fosse ao "local do
crime" pela manhã, pouco antes da passagem da competição
e derramasse a água contida em seis tambores de 200 litros
colocados na carroceria de sua F-75, transformada em carro-pipa
pela nossa criatividade... Para salvação dos incautos,
conseguimos também da Prefeitura um trator que ficaria
de plantão no alto da subida e daria apoio aos jipes
que não lograssem subir.
Planejar e executar nem sempre são atividades de grande
compatibilidade, como vamos aprendendo ao longo da vida. O destino
é generoso nesse tipo de lições e foi justamente
ele que nos proporcionou mais essa. O Raid, levantado durante
o período das chuvas (o que nos proporcionou diversão
constante) acabou ocorrendo em pleno período de estiagem
e assim a água toda que nosso zeloso colaborador derramou
ladeira abaixo não chegou a deixa-la na condição
imaginada, a pior possível! Mesmo assim ficou capaz de
assegurar belas derrapagens, sustos, manobras bruscas, olhos
arregalados, aquelas coisas...
Mas o grande lance do trecho foi mesmo o trator. Esperávamos,
conforme prometido, uma grande máquina com aqueles pneus
enormes e cheios de água e uma capacidade de tração
e deslocamento insuperáveis. Apareceu um tratorzinho
Agrale, daqueles usados para puxar carroças de lixo no
centro da cidade, com um motorzinho que mais parecia de motocicleta.
O tratorista, chegou, se apresentou e quando inquirido afirmou
nada saber sobre outro trator maior ou quaisquer outros acertos
do combinado anteriormente com seus superiores.
A prova foi transcorrendo normalmente, e a maioria dos competidores,
com mais ou menos braçadas, conseguiam se entender com
o subidão e proporcionavam belas cenas aos cinegrafistas
da GLOBO (isso mesmo minha gente, até a Globo nós
conseguimos levar e sua reportagem sobre o assunto rendeu longos
11 minutos na TV!!). De repente a encrenca: chega ao local uma
Toyota jurássica (64 ou 66, se não me engano)
e com um nível de preparação que mal servia
para percorrer as estradinhas de terra. Suas rodas-livres automáticas
haviam desistido da competição logo na primeiro
trecho e o competidor vinha trafegando em 4x2.
Depois de umas "trocentas" tentativas, a constatação
da realidade: não subia mesmo. Imediatamente acionamos
o trator. Seu piloto, que até então divertia-se
com as peripécias dos outros, assustou-se!
- Eu? Descer ali? É ruim, né?
Porém, convencido quase à porrada que estava ali
justamente para aquilo lá se foi nosso amigo. Ligou a
máquina, engrenou uma marcha e começou a descida
com uma expressão que passou rapidamente do receio ao
pavor. O tratorzinho, por incompetência técnica
ou má manutenção, freava pouco e reduzia
idem. Numa tentativa mais máscula de pará-lo o
tratorista conseguiu travar as rodas e daí a máquina
assumiu o controle (ou a falta dele) e desceu quicando e entortando
perigosamente para um lado. Ao chegar no final, a roda traseira
calçou numa valeta e ele adernou. O tratorista transformado
em passageiro pelas circunstâncias, foi atirado para fora
do banco com os braços para cima como as torcidas fazendo
a ôla nos estádios.
Um átimo de segundo de um suspense silencioso. Quase
que em câmara lenta o trator ergueu suas rodas do lado
esquerdo, alavancou o piloto e ficou meio parado no ar. Todos
nós com a respiração suspensa e o olhar
fixo na cena. Por um daqueles caprichos do destino que separam
a sorte do azar no mesmo episódio, o trator voltou estrepitosamente
à posição natural e o tratorista, cujo
pé ficara enganchado nos pedais ao ser catapultado rumo
ao desconhecido voltou na sua trajetória, completando
a ôla e caindo sentado de volta no banco.
Descemos a pé, com os devidos cuidados para não
cairmos e proporcionarmos alguma videocassetada e ao chegarmos
lá embaixo só restava a Toyota jurássica.
O trator e seu intrépido piloto haviam desaparecido como
por encanto e para conhecimento de vocês, não foram
mais vistos ao longo do fim de semana, quiçá mês ou
ano...
Para a Toyota, ensinamos uma rota alternativa para que ele pudesse
prosseguir na diversão e depois, em contato com o nosso
amigo, chefe de gabinete do prefeito e responsável por
nos atender quanto às necessidades do Raid, cobramos
a história do trator que resumiu-se a um compromisso
não cumprido (o trator prometido por um fazendeiro não
chegou) e que ele para não nos deixar em falta, improvisou
mandando aquela maquineta pilotada por um incauto motorista
da Prefeitura que estava de plantão naquele dia.
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