Unimog 1968 volta às trilhas e expedições depois de passar por uma reforma e preparação minuciosa
A história do Unimog começou na Alemanha, no pós-guerra. A condição alemã exigia um projeto de veículo de uso universal, que pudesse ser usado tanto como trator, puxando arados, e como meio de transporte para rodar nas estradas destruídas pela guerra. Daí a denominação de seu nome, em alemão, ‘Universal-Motor-Gerät’. A criação do Unimog foi, sem dúvida, um dos ‘motores’ da reconstrução da Alemanha.
O Unimog é produzido até hoje pela Mercedes Benz. Ele é usado em serviços em geral, principalmente em locais de difícil acesso, além, é claro, da utilização por diversas forças armadas pelo mundo, que o utilizam em função de seu excelente desempenho off-road. Seu preço e dificuldade de importação inviabilizam o uso de Unimogs novos para recreação no Brasil. Assim, resta aos apaixonados pelo pequeno caminhão, a restauração e utilização de modelos antigos.
Fomos à Ribeirão Preto, interior de São Paulo, conferir de perto um destes exemplares em atividade no Brasil. O projeto deste Unimog 404 ano 1968, batizado de ‘Mogli’, foi idealizado por Rodrigo Cotrim, mais conhecido no meio off-road como ‘BeBa’. A ideia foi construir um veículo para atender longas expedições e trilhas extremas.
O Unimog, antes de chegar às mãos de Rodrigo, já tinha recebido uma configuração de motorhome e depois passou por uma restauração, voltando a um perfil original. Quando adquiriu o ‘Mogli’, Cotrim partiu para o processo de reconstrução voltado para off-road. O primeiro passo foi a modernização do powertrain. O veículo, então, ganhou motor MWM 2.8 diesel 4 cilindros, mas com o sistema de embreagem do MWM 6 cilindros (original da Silverado). Todos os periféricos do motor – como radiador, intercooler, filtros de ar e combustível, baterias, tanque de combustível e caixa de fusíveis – foram adaptados em cima da caçamba. Além de liberar espaço no pequeno cofre do motor, isso permite enfrentar com segurança grandes profundidades em travessias de rio e alagados, sem preocupar com a contaminação do combustível ou a obstrução da colmeia do radiador com barro e lama, muito comum ao transpor atoleiros.
Muito destes periféricos, assim como nos aviões, têm um sistema de backup. Existem, por exemplo, duas linhas de combustíveis elétricas, desde o pescador até a entrada na bomba, que funcionam independentemente uma da outra. Em caso de entupimento do sistema, muda-se a linha por meio de uma chave e segue-se em frente. Os mesmo acontece no sistema elétrico que é alimentado por duas baterias com isolador de voltagem. O alternador carrega as duas baterias, mas o consumo ocorre em apenas uma bateria. A bateria reserva fica com carga plena para o uso do guincho elétrico traseiro ou no caso de uma necessidade. O sistema de ventilação, também, tem duplicidade com uma ventoinha principal com acionamento automático e outra elétrica, frontal, acionada manualmente por meio de uma chave no painel. Enfim, tudo é pensado de forma a diminuir o risco de uma pane deixar o Unimog na trilha.
O câmbio, a caixa de transferência e as duas caixas de redução são um capítulo à parte. É preciso ser um ‘acrobata’ para manusear as cinco alavancas para conduzir com oito marchas à frente e duas a ré. Soma-se a isso, o controle da reversora e a tomada de força. É preciso habilidade para as trocas frenéticas de marchas, pois as relações são extremamente reduzidas e curtas. Para se ter uma ideia, a primeira marcha, em operação com a Crawler Gear, tem relação de 50:1. A força, com a reduzida, é tanta que é possível engatar a marcha, descer do veículo e subir de novo. Segundo o Beba, pode-se engatar a marcha e esperar lá em cima do morro que o Mogli sobe sozinho em marcha lenta.
Em contra partida, sua velocidade de cruzeiro, em oitava marcha, é de 70km/h sem perder velocidade nas subidas. Consegue-se atingir a velocidade de 90km/h, mas como o veículo não foi projetado para isso, manter esta velocidade por muito tempo submete todo o sistema de transmissão ao stress e, consequentemente, ao aquecimento dos eixos portais, o ‘órgão’ que deve-se ter mais carinho no Unimog.
O conjunto chassi, eixos portais e suspensão foi mantido o original. Mexer no que o Unimog tem de melhor seria loucura. O chassi é um trunfo do Unimog desde os primeiros modelos até os caminhões atuais. Alguns entusiastas até alimentam a ideia de que existe aí um segredo de fabricação da liga de metal. O fato é que o chassi possui uma flexibilidade incrível. Submetido a grandes desníveis, o chassi parece torcer de tal forma que se tem a impressão de que não vai voltar à posição normal. Mas volta e é capaz de realizar a tarefa anos a fio. Os componentes ligados ao chassi acompanham seu desempenho e o ‘truque’ para isso é que nenhum deles – como motor, caixa e carroceria – é conectado por mais de três pontos de fixação. A suspensão, que também inovou ao adotar, já em 1948, molas helicoidais, ajuda a dar fama de contorcionista ao Unimog. Cada conjunto é formado pelo ‘torque tube’, duas barras de link e uma barra panhard que se conectam ao eixo. E aí chegamos a mais um ponto que torna o Unimog único: os eixos portais. Um conjunto de engrenagens nas pontas do eixo o torna excêntrico, ou seja, o eixo não fica no centro da roda. Isso faz com que o vão-livre aumente consideravelmente.
O sistema de freio à tambor e lona é original, mas agora é acionado por um sistema HidroBooster, muito comum em camionetes de grande porte. No caso do ‘Mogli’, foi usado da F350, alimentado exclusivamente pela bomba hidráulica original do motor. Já a direção hidráulica é ‘tocada’ por uma bomba do caminhão Mercedes-Benz MB1620 adaptada ao eixo que seria da hélice original do motor, sem dependência de correias. O sistema gera fluxo de óleo suficiente para a caixa de direção do caminhão Volkswagen VW9150. Um radiador de óleo com ventoinha automática mantem a temperatura do sistema baixa, aumentando a eficiência e dando muito conforto ao dirigir, mesmo com os enormes pneus diagonais 14,50 R20, que seriam equivalentes ao um pneu 46” de altura por 15” largura.
No interior da cabine, há relógios de inspeção de todo o funcionamento do caminhão, console com som, câmera de ré e radio transmissor, além de um ar condicionado fortíssimo de colheitadeira e cinto quatro pontos, Alias, a instalação do cinto é um ponto de premissa do projeto, a segurança. Uma gaiola externa extremamente forte para a cabine e outra para a ‘casa de máquinas’ na caçamba, são separadas para não atrapalhar a torção de todo o conjunto. O ponto de fixação na gaiola traseira é sobre balanças apoiadas no chassi. A gaiola frontal, também, tem a fixação apoiada em balança no chassi em dois pontos centrais extremamente reforçados. Isso faz com que a gaiola projetada hoje, tenha uma fusão com o projeto de torção concebido há mais de 70 anos pelos alemães.
O Projeto ainda prevê a extensão da cabine. Todas as adaptações já foram calculadas de forma a deixar o espaço livre e pronto para isso. No local hoje, existem duas caixas grandes em alumínio, uma para armazenar ferramentas, peças de reposição (tem, por exemplo, conjuntos prontos de mangueiras hidráulicas com conectores para alguma eventual necessidade), todos os óleos e filtros, correias, esticadores, etc. A outra caixa é metade térmica e metade dispensa para alimentos. Enfim, preparado para tudo que vier.
Como falamos, o ‘Mogli’ foi projetado para grandes viagens e trilhas pesadas. Pensando nisso, seu projeto incluiu a adoção de um tanque de 180 litros, mais um cash tank de 20 litros, que permite funcionamento do motor mesmo em grandes inclinações frontais ou laterais. A autonomia é de mais de 1.000 quilômetros.
Dois guinchos ajudam a garantir que o Unimog não fique preso. Na dianteira, o ‘Mogli’ conta com a força de um guincho mecânico do caminhão Reo M35A 6×6 com carcaça de alumínio e cabo de kevlar de 16mm. A tomada de força original do Unimog, que tem funcionamento como um eixo piloto, rotacional apenas para um lado. Assim, não permite soltar o cabo do guincho (apenas recolhe) o que, em uma situação extrema de auto socorro em um atoleiro, impossibilitaria destravar o guincho para soltar o cabo de uma árvore. Suprindo essa deficiência foi instalado um cardã na tomada de força que aciona uma caixa multiplicadora de rotação com uma bomba hidráulica de grande fluxo acoplada. Essa bomba é abastecida por um tanque de 80 litros de óleo hidráulico. A pressão gerada impulsiona um motor hidráulico, acoplado ao eixo da tomada de força do guincho, que é controlado por um comando de alavanca, permitindo inverter o fluxo de óleo, e assim, conseguir recolher e soltar o cabo do guincho. O ‘Mogli’ conta, também, com um guincho elétrico Warn 15.000 lbs instalado na traseira. O segundo guincho tem a função de puxar o veículo para trás caso seja necessário, o que é uma possibilidade remota tendo em vista o poder do guincho dianteiro. Mas aí, voltamos na questão do backup: quem tem um, não tem nenhum.
O caminhão da Mercedes tem qualidades off-road impressionantes e soluções mecânicas perfeitas para uso fora-de-estrada. O Unimog, que pode ser considerado um jipe grande ou um caminhão pequeno, pode enfrentar trilhas e expedições onde um Troller ou um caminhão 6×6 pode ir. A grande vantagem é a bitola estreita (2,05 m) e o grande vão livre, em função dos eixos portais, que pode chegar a 50 cm.
Falando em eixos, hoje o praticantes do off-road extremo no Brasil são sedentos pelos eixos portais do Unimog. Os caminhões, que já são poucos por aqui, são sucateados por causa dos eixos apenas. Porém, o Unimog não se resume a apenas aos excelentes eixos. O Unimog é uma verdadeira máquina fora de estrada, projetado há mais de 70 anos e com um conjunto perfeito quando o assunto é torção e capacidade de tração. O projeto foi desenvolvido para que todo o conjunto trabalhe junto, desde os eixos portais, o tube torque, o chassi ‘elástico’, as balanças de fixação da cabine e caçamba, coxim único (frontal e central) do motor e os braços de suspensão. Não há nenhum ponto rígido em todo o conjunto, que é empurrado por uma transmissão extremamente reduzida e com bloqueio nas quatro rodas.