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Travessia Impossível: um casal e um Jeep CJ-5 que venceu o Darien Gap
Imagine-se em meio a uma selva impenetrável, onde não existem estradas — apenas lama, pântanos, rios revoltos e a constante ameaça de emboscadas. Agora acrescente um Jeep CJ - 5 de 1966, apelidado de “Sand Ship Discovery”, uma determinação inabalável e a coragem de um casal, Loren e Patricia Upton, que decidiu cruzar o temido Darien Gap… por terra!
Essa não é apenas mais uma aventura overland. É uma saga de 741 dias, em uma travessia histórica, digna do Guinness World Record de 1992 por “Primeira travessia terrestre do Darien Gap”.
O Jeep CJ - 5 e a Estrutura da Expedição
O lendário Jeep CJ-5, batizado de Sand Ship Discovery, foi especialmente preparado para suportar seus piores dias que estavam por vir. O chassi foi reforçado (fechamento das longarinas em ‘U’), uma gaiola foi instalada no interior, um guincho hidráulico na dianteira, pneus off-road e caixas estanques para ferramentas, peças e alimentos. O CJ também recebeu bloqueio de diferencial e relação mais reduzida. Além disso, modificações foram realizadas em virtude da grande altura de Loren: a capota rígida foi elevada e uma prancha instalada no bagageiro serviu de cama para ele.
Cada modificação foi pensada para resistir ao ambiente extremo da selva do Darien — permitindo, por exemplo, içar o Jeep com cordas, desmontá-lo em partes ou atravessar rios em balsas improvisadas. Foi esse nível de preparação que transformou o CJ-5 em um verdadeiro tanque de sobrevivência sobre rodas, tornando possível a travessia mais desafiadora da história do off-road.
A missão era clara: percorrer o mundo inteiro usando um único veículo americano, com apenas uma travessia marítima (do Atlântico Sul) e cruzar por terra cada ambiente selvagem, incluindo o Darien Gap, a maior barreira natural entre as Américas.
As Tentativas de Loren: Pioneirismo e Perseverança
Antes de Patty entrar na jornada, Loren Upton já havia tentado cruzar o Darien Gap três vezes: com uma Ford F-250, um Jeep CJ-7 e um primeiro CJ-5. Todas fracassaram. Enfrentou falhas mecânicas, acidentes, emboscadas de guerrilheiros e até a morte de um membro da equipe.
Foi apenas na quarta tentativa, em 1985, que Patty, então uma jovem fotógrafa com experiência na Zona do Canal do Panamá, juntou-se à missão. Essa seria a travessia que finalmente mudaria tudo.
Em 1995, o casal voltou ao Darien. Dessa vez, fizeram o percurso sobre uma motocicleta Rokon, levando 49 dias para completar a travessia. Segundo Patty, o risco foi ainda maior por causa da instabilidade política crescente e a hostilidade dos grupos armados e tribos locais.
A Travessia do Darien Gap: 741 Dias de Desafios
De 22 de fevereiro de 1985 a 4 de março de 1987, o casal cruzou cerca de 200 km entre Yaviza (Panamá) e Riosucio (Colômbia). Foram 741 dias para atravessar um dos territórios mais hostis do planeta. Sim, uma média de apenas 270 metros por dia!
Com facões, serrotes e pura força bruta, abriram caminho por mata fechada, construíram pontes improvisadas, atravessaram pântanos e rios com o Jeep amarrado em cordas ou suspenso por roldanas. Tudo sem qualquer infraestrutura. Apenas a equipe e a selva.
A equipe principal era composta apenas por Loren e Patty, mas em trechos pontuais contaram com apoio temporário de voluntários locais, carregadores indígenas e até guerrilheiros que, por razões diversas, decidiram ajudar. Em muitos momentos, estavam completamente sozinhos, enfrentando doenças tropicais, desnutrição, chuvas incessantes e calor sufocante.
O Sand Ship Discovery precisou ser desmontado e remontado inúmeras vezes para ser içado sobre troncos ou transportado por balsas improvisadas com tambores de óleo. Em alguns pontos, Loren dirigia so com as rodas traseiras enquanto Patty guiava o guincho dianteiro acoplado em uma árvore — tudo sob ameaça constante de cobras, insetos e possíveis ataques.
Em um dos momentos mais tensos, foram abordados por guerrilheiros da FARC em Púcuro. Patty conta que viu uma mulher armada com um fuzil atravessando calmamente o acampamento, mostrando que estavam em território completamente fora de controle estatal. Felizmente, após negociações e demonstração de que não eram ameaça, foram autorizados a seguir.
Além dos perigos humanos, a natureza também foi implacável. Rios como o Chucunaque e o Atrato eram verdadeiros desafios: caudalosos, instáveis, cheios de troncos e crocodilos. Havia dias em que avançavam apenas 15 metros — o suficiente para exaurir completamente suas forças.
“Atravessar o Darien Gap foi o maior teste da minha vida. Mas, depois que você sai dali qualquer coisa parece simples. Qualquer coisa.”
A Odisseia Completa: Do Alasca à Noruega
A expedição começou oficialmente em 15 de junho de 1984 em Prudhoe Bay, Alasca. Após o Darien, seguiram para o sul até Punta Arenas (Chile), embarcaram para a África do Sul e atravessaram o continente africano de ponta a ponta. Passaram pelo Oriente Médio, Europa Oriental e finalizaram em Gamvik, no extremo norte da Noruega, em 4 de julho de 1989. Foram mais de 90 mil quilômetros em cinco anos de estrada.
Darien Gap: Mitos, Primeiros Exploradores e a Ousadia dos Uptons
Embora Patty e Loren Upton tenham entrado para o Guinness como os primeiros a cruzar o Darien Gap completamente por terra com um único veículo, eles não foram os primeiros a chegar ao outro lado com motor ligado. Em 1971–72, a British Trans-Americas Expedition (veja a matéria completa aqui), liderada por John Blashford-Snell, atravessou a região com dois Land Rovers, usando balsas, desmontagens e apoio logístico militar. Houve também tentativas anteriores, como a travessia parcial com Land Rovers em 1959, patrocinada pela Royal Geographical Society, e várias outras expedições mistas que incluíam trechos de barco ou caminhadas com carregadores. A façanha dos Uptons se diferencia justamente por ter sido feita sem auxílio externo permanente, sem trocas de veículo e sem transporte fluvial — apenas com o Jeep CJ-5 e força humana, ao longo de 741 dias.
Antes deles, o Darien Gap era território quase mítico entre aventureiros e geógrafos; depois deles, tornou-se rota de migração clandestina, com fluxo crescente a partir dos anos 2000 e ápice em 2023, quando mais de 500 mil pessoas o cruzaram a pé. Em 2025, no entanto, políticas severas de imigração, barreiras físicas e voos de deportação praticamente estagnaram a travessia, deixando o Darien novamente isolado.
O Legado dos Uptons e o Jeep Sand Ship
Loren faleceu em 2022, mas deixou um legado eterno no universo do off-road e das expedições extremas. Patty segue viva e ativa, buscando um autor que registre em livro essa saga que desafia a lógica. O lendário CJ SandShip Discovery está no Off-Road Motorsports Hall of Fame.
A travessia do Darien Gap por Patty e Loren Upton é uma aula de resiliência, coragem e amor pelo desconhecido. Uma história que inspira jipeiros e aventureiros de todo o mundo a nunca subestimar o poder da vontade.
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