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Terra, areia e sal
Uma grande aventura a bordo de um Jeep e uma Rural
O que você me diz de pegar um Jeep 1956 e uma Rural 1972, e sair para dar uma volta?… Na América do Sul!… 8.400 quilômetros!… Foi o que seis integrantes do Jaraguá Off-Road fizeram, partindo para uma aventura de 20 dias com destino ao deserto do Atacama, no Chile, e salar de Uyuni, na Bolívia. Veja como foi essa saga, contada por Rafael Lage.
A viagem começou tranquila. Saímos às 8h00 de Jaraguá/SP e rodamos 830 quilômetros, em 12 horas, até Campina da Lagoa. Fomos recebidos com um churrasco oferecido pelos pais do Kleber Madeira, outro integrante da equipe.
Mesmo dormindo tarde, levantamos às 5h30 para seguir viagem rumo à Foz do Iguaçu e a fronteira com a Argentina. O frio na barriga na Aduana deixou gago nosso já ‘fluente’ portunhol. O Jeep do Serginho foi esvaziado e uma mala foi parar no raio X. Na Rural do Fernando, o avião aeromodelo quase teve que ficar, “cadê a nota fiscal” disse o sujeito da fronteira que em seguida liberou a gente e o avião.
Durante a tarde tivemos uma boa dose de história nas Ruínas Jesuítas de San Ignacio, um lugar incrível. De volta a estrada, fomos parados três vezes pela polícia e, em uma delas, só para os guardas ‘conhecerem’ o Jeep. Chegamos ao nosso destino às 00h00 completando 16 horas de viagem.
Fechamos o terceiro dia com 2500 quilômetros rodados no total, e em solo Argentino, cruzamos cinco estados até chegar a cidade de Salta. Uma volta por ela mostrou o quando essa cidade é grande e charmosa por causa da arquitetura antiga. A rodagem de 813 quilômetros do dia foi cansativa, mas trouxe alguns fatos curiosos. Atravessamos incríveis 600 quilômetros de estrada reta. Simplesmente não havia curvas e quando raramente surgiam tinham um grau muito pequeno. A estrada revelava pequenos vilarejos com aparência de esquecidos, com quase ninguém na rua e com muita coisa abandonada.
Tivemos que atrasar nossa entrada no Chile para tratar do cansaço dos últimos três dias e poder curtir o caminho. Foi a melhor coisa que fizemos, afinal entramos na Cordilheira dos Andes a partir da cidade Jujuy e ficamos extasiados com tamanha beleza. A grandeza e a energia desse lugar são diferentes de tudo que já pude ver. Foram 70 quilômetros de estradas íngremes com curvas de 180 graus que serpenteavam pela encosta desértica. Após atingirmos 4170 m de altitude a 10,3 graus de temperatura, o fim da tarde ainda reservava o incrível salar Salina Grande a caminho de Susques. Chegamos no hotel às 21h00 na altitude de 3500 me durante a noite sentimos a temperatura despencando. A altitude causou diversos reflexos como tontura e dor de cabeça em todos nós.
Durante a noite, enquanto curtíamos a queda da temperatura, começamos a sentir efeitos mais sérios da altitude e do frio. Chegamos a -12 graus de madrugada e eu não dormi com fortes dores de cabeça e sensação de falta de ar. A maior surpresa na fria manhã de um grau negativo do quinto dia de viagem estava nos carros. A água dos radiadores e bombas d’água congelou durante a noite e os carros tiveram dificuldade para funcionar. Foram necessárias mais de duas horas de trabalho e criatividade, a 3800m de altitude, com o ar frio e rarefeito, para fazer o gelo derreter por completo.
Saímos assim que sentimos segurança e continuamos a travessia da Cordilheira. Passamos por pequenos salares, lagunas com espelhos d’água, riachos congelados além de grandes picos de neve eterna. Os nossos sintomas de altitude não tinham passado e começaram a piorar. Chegamos a um ponto ainda mais alto de 4819 m de altitude durante a tarde até chegar às 18h00 em San Pedro do Atacama a 2800 metros.
No sexto dia, já aclimatados com a altitude, aproveitamos para dormir sem hora para acordar. Saímos do hotel às 11h00 para conhecer o Salar do Atacama. Passamos primeiro na Laguna Tebinquiche, onde pudemos ver o reflexo das montanhas na água no meio do salar. Daria pra ficar horas admirando tamanha beleza. Em seguida, fomos para outra laguna habitada por flamingos.
A mamata do dia anterior já tinha ficado para trás e tivemos que acordar às 3h30 para visitar os Geisers Del Tatio. Dormimos somente duas horas para enfrentar sete graus de temperatura e subir até 4000 m de altitude. Os carros não têm isolamento térmico e nós o costume com essa temperatura. Por mais que estivéssemos agasalhados, o frio era intenso e quando chegamos, ainda escuro, pisei em uma poça de água o que me deixou em estado hipotérmico. Não saí mais do hotel e no fim da tarde todos ficaram no quarto, me fazendo companhia. Temos uma equipe formada de amigos, que cuidam, curtem e que não deixam ninguém para trás.
No oitavo dia, saímos de San Pedro do Atacama sentido Antofagasta, no litoral do Chile. Chegamos a “la mano del desierto” cruzando 360 quilômetros em uma paisagem montanhosa de areia e pedra. Essa escultura foi um marco para nossa expedição e, em seguida, depois de dias, estávamos no nível do mar. Uma euforia tomou conta de todos quando vimos o Oceano Pacífico.
A surpresa do dia seguinte foi o problema no câmbio do Jeep que perdeu a 3º e 4º marchas. O diagnóstico não era bom e teríamos que abrir o câmbio, em um sábado, já no fim da tarde. Improvisamos uma oficina na garagem do hotel e desmontamos o câmbio. Seria preciso uma solda na luva com o entalhado para seguir viagem.
No domingo, decidimos conhecer a praia e, como o mundo é uma caixinha de surpresas, encontramos em pleno domingo um soldador consertando um portão na calçada. O argumento de cinco caras, enquanto outro buscava a peça, foi irrecusável e ele fez a solda em cima de um engradado de Coca-Cola.
No décimo dia da expedição, deixamos Antofagasta sentido Calama, para uma pernoite estratégica para aclimatação a 2500 metros, para, no dia seguinte, subirmos para a Bolívia.
Na fronteira, uma canseira na imigração boliviana nos atrasou por quase duas horas. Parece que entramos em um mundo paralelo na fronteira da Bolívia: tudo é uma desordem, cheira mal e é pouca a boa vontade das pessoas.
Paramos em uma laguna na estrada para encher galões de água e tivemos um susto na saída. A manga de eixo do Jeep quebrou e a roda dianteira direita entortou e ameaçava cair. Estávamos a apenas uma hora de anoitecer, com cinco graus e muito vento. Um clima tenso tomou conta de todos e pela primeira vez estávamos correndo risco. Com essa motivação extra o conserto foi feito em tempo recorde e continuamos a viagem.
Logo cedo acordamos com cinco graus negativos e, novamente, tudo estava congelado no vilarejo de San Cristobal. Dessa vez com mais prática, conseguimos derreter o gelo dos carros e deixar tudo em ordem em menos tempo. Chegamos em Uyuni por volta das 12:30 e logo buscamos um hotel.
Deixamos para o 13º dia, pela manhã, a visita ao salar que enfim marca o ponto máximo da nossa expedição. O salar de Uyuni é o maior do mundo e é simplesmente fascinante. Outro detalhe é que a cidade recebe o Rally Dakar, evento mundialmente conhecido. A partir de agora iniciamos o retorno para casa, cruzando a Bolívia, sentido leste. Após deixarmos o salar seguimos mais 400 km para Sucre por uma paisagem desértica montanhosa com incríveis formações geológicas e imensas planícies com rebanhos de lhamas.
O 14º dia não poderia ter começado melhor, hotel confortável e um café da manhã muito bom para um dia de 400 km de viagem. Aparentemente essa distância era tranqüila para os padrões que enfrentamos anteriormente, não fosse pelo fato de viajarmos por 14 horas até chegar em Santa Cruz de La Sierra. Sem dúvida o pior dia de rodagem que já pegamos, com mais de 200 km de estrada de terra sem sinalização, em meio de montanhas, penhascos, trânsito de caminhões e pagamento de pedágio pela utilização. Mesmo quando chegamos ao asfalto, em diversos trechos, ele simplesmente desaparecia, dando lugar a imensos buracos com pedra e terra. Para se ter uma ideia, nossa média de velocidade foi de 28 km/h. Mas mesmo nesse cenário, foram cinco pedágios, quatro paradas para verificação de documentação, uma de propina pedida como “colaboração para a polícia Boliviana” e um roubo de $200,00 bolivianos em multa (R$ 100,00) sob alegação de que não tínhamos um dos seis carimbos na nossa autorização para rodar no país, multa essa, paga diretamente para o policial.
Depois de uma noite mal dormida, seguimos para os últimos 660 quilômetros em solo boliviano sentido Corumbá, aliviados por chegar ao Brasil. Chegamos à noite na fronteira e, para nossa surpresa, a aduana boliviana estava fechada.
Após nossa entrada no Brasil, um clima de alívio tomou conta da gente. Seguimos para Campo Grande, onde a família de um amigo antigo nos aguardava. Fomos muito bem recebidos e, como tínhamos histórias de sobra pra contar, ficamos dois dias aproveitando a companhia.
Seguimos viagem para Jardim e Bonito. A flutuação no rio Olho d’Água e o mergulho de cilindro na Lagoa Misteriosa, ambos na Fazenda Rio da Prata, foram mais que suficientes pra fechar com chave de ouro nossa passagem pelo Mato Grosso do Sul. Iniciamos o retorno para casa nos últimos 1200 quilômetros.
No total foram 8400 quilômetros passando por cinco países, variação de altitude de 4819 m, variação de temperaturas de -12ºC a 27ºC. Em média, foram 1800 litros de gasolina por carro e muita história pra contar em 20 dias de convivência entre amigos.
Viajar, além de curtir o destino, é curtir a experiência do caminho. A boa viagem é sempre interior primeiro e depois exterior. Aprender a sentir, ouvir, ver e conhecer o que está à nossa volta, fazem parte dessa experiência. Para cada um de nós, essa viagem teve um valor diferente, mas tenho certeza que comum a todos foi a felicidade pelo sucesso da nossa Expedição Terra Areia e Sal.
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